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Anelo na África do Sul: uma viagem que superou todas as expectativas

Dois mil e dezenove marcou a estreia do Instituto Anelo no Standard National Bank Youth Jazz Festival (SNYJF), misto de seminário de música e festival realizado anualmente na cidade de Makhanda, antiga Granhamstown, na África do Sul. O evento ocorreu entre os dias 26 de Junho e 1º de Julho e o Anelo foi representado pelos professores Deivyson Fernandes (piano), Filipe Lapa (bateria), Josias Teles (contrabaixo) e Tércio Pereira (percussão), mais o coordenador Luccas Soares (voz e acordeon) e o integrante da Orquestra Anelo, Marcelo Lowback (saxofone).

Trata-se do maior festival do gênero na África do Sul, e que em 2019 contou com 350 estudantes e 50 professores sul-africanos, além de 90 músicos e educadores de outras nacionalidades – havia músicos do Brasil, Itália, Estados Unidos, Noruega, Suécia e até da China. Lá, o grupo comandou dois workshops de música brasileira e realizou um show com ingressos esgotados. Mais do que uma vitrine musical, o SNYJF surpreendeu pela estrutura sólida, pela organização e pelo ambiente favorável ao networking.

Um exemplo prático da importância de um bom networking: Marcelo Lowback voltou ao Brasil como endorse de Johannes Gerber, luthier sul-africano de boquilhas (bocal para saxofones). Além disso, o grupo foi surpreendido pela forma como foi tratado. “A gente foi com o propósito de participar das aulas, mas lá a gente viu que era outra coisa: a gente estava lá como artista”, disse Tércio Pereira.

Tércio contou que as aulas e workshops eram destinadas a estudantes entre 12 e 26 anos, mas todos os músicos convidados podiam participar como ouvintes. “Particularmente gostei muito, foi diferente”, afirmou Tércio, que já teve a oportunidade de participar de outro festival internacional com o Instituto Anelo, no caso, o Arcevia Jazz Feast, na Itália, em 2015 e 2016. “Senti a pressão para a nossa apresentação ao assistir os outros grupos. Mas estávamos bem preparados. A gente mostrou o melhor de nós”, disse.

“A organização é muito boa. Fomos bem hospedados. A questão da valorização que deram pra nós como artistas, como seres humanos, como pessoas, foi fantástica. Eles foram realmente muito receptivos, pareciam até brasileiros”, comparou Lowbach. Vinicius Corilow, por sua vez, chama a atenção para o esquema diferenciado do evento, sem aulas fixas.

“Lá rolam vários workshops, você pode acompanhar as passagens de som dos artistas, é um esquema mais livre. A maioria dos alunos vai em grupo de uma cidade, acompanhado de professores. Alguns desses grupos chegam prontos para tocar em datas específicas”, disse. Aliás, ele lembrou que, quando a organização do festival iniciou o contato com o Instituto Anelo, eles imaginaram que o esquema seria esse, ou seja, que receberiam um grupo de estudantes.

Mas, logo viram que a idade dos integrantes era outra e que o nível musical era outro também, não era um grupo de estudantes. “Não sabemos como será da próxima vez que formos pra lá, se será um grupo de alunos ou de profissionais. Mas me chamou muito a atenção o som que rola lá. O nível da música é alto, são coisas diferentes, tudo dentro do jazz, mas com uma sonoridade própria. A galera mais importante da África do Sul está lá”, destacou.

O grupo do Anelo com estudantes sul-africanos

RESPEITO

Luccas Soares chama a atenção para o respeito que os sul-africanos têm pela música brasileira. “Tive a oportunidade de ir para a Itália por quatro anos consecutivos. Estive na Alemanha, nos Estados Unidos, inclusive no Lincoln Center (complexo artístico em Nova York), e agora na África do Sul. Em todos esses lugares eu percebi o quanto a música brasileira é respeitada. No Lincoln Center, onde fui assistir ao percussionista Fernando Saci, terminado o show ele trouxe alguns amigos para me apresentar e todo mundo conhecia a música brasileira”, disse Luccas.

E vai além: “Eles conhecem João Gilberto, eles conhecem os nomes da nossa música. O entretenimento brasileiro faz sucesso lá fora? Faz. Mas é uma música ou outra. O que consolida mesmo é a música artística brasileira, é o clássico mesmo. Nem estou falando de Garota de Ipanema. A galera conhece Johnny Alf, a galera conhece outras coisas, conhece os nomes menos populares aqui no nosso país”, contou Luccas.

Nesse sentido, Lowback lembra que conheceram em Makhanda um cantor de Xangai, na China, chamado Coco Zhao, que sabia muita coisa sobre música brasileira – era fã de Djavan, por exemplo. “Eles valorizam mais a música brasileira do que nós mesmos. Isso foi um tremendo tapa na cara. Eles querem que a gente vá lá mostrar o que a gente sabe”, afirmou Lowbach. “Eles querem que a gente mostre a música brasileira”, disse Vinicius.

Luccas também conta que chamou sua atenção a quantidade de atividades e de apresentações que acontecem no SNYJF. “Não é um festival apenas para o músico profissional, mas para alguém que gosta de ouvir música. Deu um friozinho muito interessante no primeiro, quando fomos acertar a hospedagem e disseram que não precisaríamos pagar. Foi quando nos disseram que o show do Anelo era o mais vendido. E, de fato, eu registrei: ficaram pessoas do lado de fora”, revelou Luccas.

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Apresentação da Banda Anelo

SATISFAÇÃO

Para Josias, o festival e a viagem superaram suas expectativas em tudo. “A começar pelo tratamento que tiveram com a gente. Eu imaginei que iria dividir quarto lá, eu fui com essa cabeça. Pensei: é alojamento, deve ser homem prum lado e mulher pro outro”, disse. Que nada: apesar de hospedados no alojamento da universidade local, cada um tinha o próprio quarto. “Só o banheiro era compartilhado”, lembrou Vinicius. Tinha café com leite a qualquer hora, contou Lowbach, e van para transportar o grupo pela cidade, segundo Vinicius.

Josias destaca a qualidade da estrutura, tanto de onde ficaram hospedados como do festival em si. “Pode procurar uma falha que não tem. Os caras tinham profissionais competentes em todas as áreas”, contou Josias. “A qualquer hora da madrugada tinha alguém lá pra te atender”, completou Lowback. “Eu nunca tinha participado de um festival, foi meu primeiro. Fiquei encantado. Essa coisa de andar por um corredor, com várias salas, e você ouve uma coisa aqui, outra ali, tudo acontecendo ao mesmo tempo. Isso me encantou”, disse Josias.

O contrabaixista também destaca a qualidade da música apresentada pelo Anelo no evento. “Eu sabia que a gente ia fazer um bom som. Claro que fiquei preocupado com o que iria rolar, mas a nossa apresentação foi muito boa. Eu fiquei muito à vontade, gostei do som, foi bem legal. Gostei de ver a reação do público, de ver o respeito que eles têm pela música brasileira e pelo músico. A gente não é conhecido lá, mas, por exemplo, um rapaz me falou ‘adoro ver a energia do brasileiro, gostei de ver você tocando, curti seu som’. Isso foi além da minha expectativa. Quero viver isso de novo, lá ou em outro lugar”, completou.

Filipe Lapa conta que, além de tudo o que seus colegas já falaram, chamou a atenção o jeito de os sul-africanos tocarem. “A gente viu bandas com nível muito bom e outras nem tanto, mas que tinham outras coisas que superavam a questão técnica, como a questão da energia, que eles têm bastante, e isso me chama muito a atenção como músico”, disse Filipe.

“Acho que a música deles passa a coisa cultural, eles transmitem a realidade de vida deles”, afirmou o baterista. Como consequência, Filipe disse que voltou com vontade de tocar melhor a música brasileira, de “tocar o nosso som”.

Para Deivyson Fernandes, o festival foi de uma riqueza fantástica. “A minha expectativa foi totalmente superada. Os artistas, os alunos, os professores, todos nos receberam com excelência. Eu realizei o sonho de participar de algo internacionalmente. É o sonho de todos os músicos: se apresentar, ter aulas, ter esse contato com outra cultura, ainda mais uma cultura riquíssima como é a sul-africana, com certeza devo pesquisar muito sobre ela”.

Deivyson revelou que, para ele, participar do SNYJF significou um recomeço. “A palavra que tenho desse festival, individualmente, é recomeço. Por quê? Porque ali vi como tenho que seguir com meus estudos, com a minha carreira. Tive um norte, um novo caminho a seguir.”

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Vinicius, Lowback, Filipe, Deivyson, Josias, Luccas e Tércio

O QUE FICA

É claro que, como toda a viagem, essa teve seus altos e baixos, com muita correria, longas esperas no aeroporto, estresse e a barreira do idioma, por exemplo. Mas a troca de experiências com músicos de diferentes países trouxe um ganho muito grande ao grupo do Anelo, que voltou a Campinas com a certeza de que a banda não será desfeita. A ideia é levar adiante esse projeto, que mostrou ter uma liga e uma identidade para continuar e representar o Anelo em outros festivais.

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